“deus, pátria, liberdade e angústias

Felipe Porto
4 min readOct 22, 2022

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Algo me incomoda. As características do diálogo foram transformadas, isso é fato, as redes sociais mudaram a forma como expomos nossas opiniões, nosso entendimento de sociedade. Mas não é isso que me incomoda, as ideias devem ser livres mesmo, o problema é quando ela desinforma, quando é uma ideia estúpida, não por eu não concordar com a ideia, mas por ela não representar comprovadamente a realidade.

Vivemos o pior cenário político de um Brasil recente, e é óbvio que parte da minha angústia tem passagem central sobre as convicções e ações políticas de parte da população brasileira.

Vivemos com o bolsonarismo desde 2018, e não é um erro pensar que ele se fortaleceu desde então, não consideravelmente em quantidade, mas enquanto convicção, e isso me deprime.

Passamos por um período de pandemia, onde eu e quase todos que conheço perdemos alguém para a COVID, seja por falta de vacina ou pela descrença nela. Se não bastasse toda a tragédia em si, tivemos um comportamento desumano e criminoso do presidente da república em todas as oportunidades possíveis. Vivemos uma crise econômica que não é vista desde a década de 1990, com o dinheiro desvalorizado, tudo está caro, falta emprego, gente revirando lixo e comprando osso. Esse texto só ficaria maior se eu continuasse elencando toda a desgraça social que nos afundamos nos últimos anos. Mesmo com tudo isso, pessoas acreditam cegamente numa melhora, não só nos padrões sociais, mas principalmente nos padrões morais. A racionalidade me parece ter sido superada, a verdade imaginada, criada se sobrepõe aos fatos, argumentos, dados e qualquer coisa que se levante para combater a mentira.

Algo que possui um alicerce muito forte, é o imaginário moral. DEUS, PÁTRIA E LIBERDADE, são palavras repetidas e usadas como base da crença bolsonarista. A fusão de supostos valores cristãos, a ideia de um orgulho nacionalista e o imaginário de uma liberdade de exploração de classe, armamentista e de preconceito livre de responsabilidades se tornaram o desejo de muitos.

A crise com a CORRUPÇÃO, argumento central aos ataques do bolsonarismo a sua oposição, é uma moeda gasta, mas muito forte na imaginação do bolsonarista mais fanático até aquele que vota sem muita convicção. Isso não surgiu do nada. Tivemos uma mídia que paulatinamente com minutos diários nos telejornais, com centenas de capas de revistas e milhares de manchetes, criaram durante anos verdadeiros demônios que custam a ser exorcizados. Dizer que os governos petistas foram os mais corruptos da história do Brasil e que Lula foi o maior ladrão desde que Cabral (Pedro, não o Sérgio) pisou por aqui é quase um mantra, mesmo quando os casos de corrupção foram investigados da forma mais intensa, julgados e diversas pessoas foram presas, mesmo quando Lula foi investigado, teve a vida virada do avesso e depois de ficar um ano preso não teve nada de concreto encontrado contra ele, além do absurdo fato que juiz e promotor do caso terem se tornado assessores do atual presidente. Qualquer debate sério sobre os diversos problemas que tivemos durante o governo Lula e toda a administração petista ficam hoje a cargo da própria centro esquerda (o PSDB está morto).

Convivo com várias pessoas que votaram e ainda votam em Bolsonaro, e gosto de verdade de parte delas (com aquelas aonde é possível conversar, aonde a violência não é presente), colegas de trabalho, alguns familiares, mas entro em conflito todas as vezes que vejo a expressão da desinformação, da estupidez e principalmente do uso da fé como ferramenta para tal. É uma mistura de ódio, angustia e desesperança, coisa que não gostaria de sentir. Me sinto derrotado.

Passei um bom tempo dentro de igrejas evangélicas, a intenção de boa parte das instituições é por manual a expansão, o convencimento do outro, percebo como a maioria delas usa a fé para firmar as pessoas em dogmas e doutrinas que são usadas para a manipulação direta e indireta. A falta de conhecimento cientifico e histórico das pessoas é uma grande vantagem para essas instituições, ao ponto de convencerem, por exemplo, que banheiros unissex serão obrigatórios nas congregações, que igrejas serão fechadas por retaliação, fortalecendo ainda mais discursos pensados para um único objetivo, poder político para transformar dogma em lei.

A tal da defesa da família, dos bons costumes e do cidadão de bem, a família onde a mulher é subjugada, muitas vezes traída, o marido não lava um prato e não troca uma fralda. Os bons costumes do assédio sexual, da violência contra a mulher, da agressão verbal e física a gays e pretos. O cidadão de bem que anda armado pra ter vantagem numa briga de trânsito ou de bar, para ameaçar o vizinho, para ser indiferente a pobreza alheia, é contra qualquer reforma trabalhista, mas doa uma cesta básica de coração pra se sentir bem.

A família deveria ser aquela que se cria com amor e afeto, que oferece suporte e compartilha a vida. Os bons costumes deveriam ser a defesa da igualdade de direitos, da fartura de alimentos, do trabalho bem remunerado, da compaixão, da educação. O cidadão de bem deveria ser qualquer pessoa que respeita o próximo, que se empenha em transformar a sociedade em uma sociedade justa. Mas isso é só o que eu penso, não o que está dado.

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